O site de arquitetura argentino ARQ Clarín publicou uma interessante entrevista feita com o arquiteto Alejandro Aravena focada em seu papel como jurado Pritzker.
O Pritzker é a premiação mais importante reconhecida pelos arquitetos de todo o mundo desde seu início em 1979. O processo de eleição deste prêmio não é muito conhecido, no entanto, o arquiteto chileno, Alejandro Aravena nos entrega um panorama geral bastante claro que destaca alguns dos valores e dados considerados para esta eleição. Além disso, expõe a dedicação e o tempo que significa realizar uma tarefa desta magnitude.
Confira a entrevista na continuação.
Qual é o trabalho de um jurado do Pritzker?
Não exagero se dizer que é quase um trabalho de tempo integral, ao menos mentalmente, pois devo admitir que nunca havia experimentado um nível de discussão tão elevado como o que deve existir entre os debates do júri. É uma tarefa que obriga a pensar e argumentar ao limite da capacidade sobre um corpo de obra; tudo se maneja num nível que já não se discute se as obras são boas ou ruins, porque é tida como exata a excelência de itens como a materialidade ou a proporção. Se não fosse assim, não seriam candidatos. É como uma final dos 100 metros rasos, na qual já sabemos que todos chegaram até ali pois já possuem um nível superlativo, e então, trata-se de ver quem pode sacar alguns décimos de segundo de vantagem que fazem a diferença. Por exemplo, se as obras vão ter a capacidade de gerar uma melhoria em seu entorno, se irão se transformar numa referência. Ou avaliar o caráter de uma obra em seu conjunto, além de cada edifício pontualmente.
Há algum tipo de critério objetivo para definir isso, ou é apenas a subjetividade ou gosto pessoal de cada jurado?
Bem, parte da tarefa consiste em viajar e ver obras, não somente dos candidatos atuais, mas também dos já premiados, outros arquitetos consagrados e obras mais antigas, para poder comparar a qualidade do que foi projetado no passado com as obras que estão sendo avaliadas na atualidade. Por exemplo, uma das últimas tarefas foi visitar o Parlamento de Bangladesh em Dhaka, de Louis Kahn. A ideia é avaliar se o corpo da obra que vamos premiar agora suporta esta comparação, se as obras podem ser equiparadas ou chegam ao menos a um nível parecido. Para isso, temos que saber se essas obras vão resistir com o passar do tempo, imaginá-las dentro de dois ou três séculos. Pode-se dizer que é o oposto de premiar o edifício do ano.
Por que nos últimos anos foram premiados, em geral, arquitetos fora do que poderíamos considerar a elite mundial?
Isso é algo que se comenta muito, mas, na minha percepção, (Peter) Zumthor, (o estúdio) SANAA e (Eduardo) Souto de Moura eram bem conhecidos e estavam no lote de candidatos que passam de ano a ano. O único pouco conhecido é Wang Shu, que fez um quantidade notável de obras em pouquíssimo tempo. Souto de Moura o conheço desde que era estudante, na década de 80. Era a época da ditadura no Chile, tínhamos pouquíssimas informações sobre o que acontecia no exterior, e além disso era uma época muito medíocre da arquitetura mundial com o auge do Pós-Modernismo, a arquitetura auto-referencial, um tempo de obras e discursos somente para arquitetos. Então, alguns professores nos falavam do que faziam nesta época alguns arquitetos portugueses como ele, que tinha 30 anos e já criava obras extraordinárias, como o Mercado de Braga. Era de igual relevância Zumthor, a quem escolhemos no meu primeiro ano como jurado, e que se caracteriza por suas soluções racionais, acessíveis e a um baixo orçamento, e que por isso tem uma grande capacidade de interessar aos colegas de países periféricos, ou que trabalham em um contexto de escassez.
Fatores alheios aos méritos do candidato, como a vontade de incentivar a arquitetura emergente ou exibição do "politicamente correto, influem na escolha?
Não, não existe uma agenda e jamais se busca equilibrar os prêmios. Não importa a ninguém no júri de qual continente ou hemisfério foram os últimos ganhadores, se foi negro ou WASP (branco anglo-saxão protestante), homem ou mulher, e menos ainda as sugestões externas. Os únicos fatores externos que podem ser filtrados fora dos méritos da obra são os que impõem a realidade, o mundo, a sociedade, os problemas da habitação ou da ecologia, a desigualdade social ou as alterações climáticas. Nisso é importante o aporte dos jurados que não são arquitetos, pois nos faz "descentrar" um pouco, nos coloca no lugar daquele que julga nosso trabalho desde outro lugar. Palumbo fala em representação dos clientes, e tem um juiz da corte suprema dos Estados Unidos, Stephen Breyer, cuja função é colocar em debate temas que preocupam à sociedade.
O que você pode dizer sobre a escolha de Toyo Ito neste ano?
É absolutamente justa. Cada um de seus projetos é diametralmente distinto ao anterior, ao contrário destes arquitetos que encontram uma fórmula, um estilo, e o repetem. Isto fala muito bem dele, porque significa que sempre volta a arriscar, é capaz de se questionar cada vez qual é a forma adequada de abordar um projeto. Além disso, suas obras são complexas nos aspectos formais e tecnológicos, quero dizer que não são para nada minimalistas, ao mesmo tempo que irradiam calma e naturalidade. Não são auto-celebrativas, não exibem o difícil de sua resolução como um mérito, não competem em quantidade de movimentos como se fosse uma competição de saltos ornamentais, mas que fazem fácil o difícil, como os golpes de Roger Federer. Mas não se esforçam para ser assépticas, nem em mostrar uma neutralidade artificial. Suas obras permitem que a vida ocupe o centro, e não o edifício.
Qual é a sua preferida?
Que pergunta difícil. Gosto muito do Crematório de Kakamigahara, com sua casca de concreto, onde é possível apreciar tudo o que eu dizia. Ou a Biblioteca em Tama, com seus arcos de concreto, uma obra que parece ao mesmo tempo próxima e inédita, que pode provocar um deja vú, mas também aponta para um novo caminho.
Existe algum motivo pelo qual ainda não premiaram Daniel Libeskind ou Peter Eisenman?
(Risos) Isso é o segredo mais difícil de manter. Não posso falar nada, pois poderia dar pistas de quem pode ser ou não o premiado no ano que vem. Não posso falar sobre essas questões nem mesmo com a minha esposa, não é fácil ser um jurado do Prizker.